Fundamentalismo religioso, escravidão e pobreza, preconceito e exclusão social eram as marcas da sociedade, no tempo em que os primeiros cristãos literalmente davam a vida pelo ideal do amor e da fraternidade. Foi nessa sociedade, marcada pela desigualdade, a injustiça e o preconceito, que viveram Saulo/Paulo de Tarso - o Apóstolo dos Gentios, Jeziel/Estêvão - o Protomártir do Cristianismo e Abigail - noiva de Saulo e irmã de Jeziel.
É doloroso constatar que, transcorridos vinte séculos, a sociedade humana ainda tenha que conviver com a fome, a exclusão social e o preconceito religioso. A pungente atualidade dessas questões motivou Lucienne Cunha e Valdir Ramos, que dirigem a produtora Rama Kriya, a escolher o romance Paulo e Estêvão para sua nova produção teatral, com estreia prevista para março do próximo ano. Trata-se de uma obra que já foi adaptada algumas vezes para o teatro, por isso mesmo merecedora de um olhar diferenciado nesta nova encenação. O escolhido para essa releitura foi Alberto Centurião, autor de outras peças do repertório da produtora, como Diálogos de Luz e Um Amor de Renúncia, esta última uma adaptação do romance Renúncia, também da autoria de Emmanuel/Chico Xavier.
Esse novo olhar sobre o Apóstolo dos Gentios e o Protomártir do Cristianismo, Centurião foi buscá-lo nos olhos de Abigail, irmã de Estêvão e noiva de Saulo. Acolhida por uma família amiga depois que o pai foi executado e o irmão Jeziel condenado à escravidão nas galés, a jovem Abigail deixa Corinto e passa a residir nas proximidades de Jerusalém, aonde também chegam Saulo e Jeziel, que, fugitivo das galés, trocara seu nome para Estêvão. O confronto de ideias entre Saulo e Estêvão resulta no apedrejamento de Estêvão, dando início à primeira perseguição movida contra os cristãos.
Quais terias sido as emoções de Abigail ao saber que o noivo amado havia causado a morte de seu irmão? Qual a reação de Saulo ao perceber que Estêvão era Jeziel, o irmão perdido de sua noiva? E Estêvão, ao despertar no plano espiritual, seria capaz de perdoar Saulo, o fanático religioso? Esse trágico acontecimento foi o ponto de partida para a trajetória luminosa daquele que viria a ser conhecido como O Apóstolos dos Gentios. Despertado para a luz às portas de Damasco, Paulo escreveria um dos mais relevantes capítulos da história do cristianismo. Emmanuel relata que, retornados ao plano espiritual, Estêvão e Abigail acompanharam a trajetória de Paulo, amparando-o em todos os momentos, tendo Estêvão inspirado Paulo na escrita das epístolas.
Ao escolher Abigail para conduzir a narrativa Centurião busca o olhar feminino, tantas vezes ignorado numa sociedade patriarcal e misógina, mas também o olhar sensível da mulher apaixonada que vê seu amado sofrer, sabendo que o enfrentamento é necessário numa sociedade polarizada, lembrando as palavras de Jesus: Eu não vim trazer a paz, mas a espada. Por causa de mim ficarão o pai contra seu filho e o filho contra seu pai...
Qualquer semelhança com o mundo em que vivemos neste início de Século
XXI é trágica coincidência.